Gateiros

segunda-feira, 22 de abril de 2013

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Homem desafia radiação para cuidar de animais




Dias atrás completou o segundo aniversário do terremoto que devastou o Japão e que causou um dos desastres nucleares mais sérios da história, quando começou a vazar radiação da central nuclear Fukushima Daiichi. Os povoados dos arredores foram evacuados às pressas, deixando para trás lares vazios, ruas em silêncio e animais abandonados. Não obstante, no pequeno lugarejo de Tamioka, a menos de seis milhas da central nuclear de Fukushima Daiichi, um homem negou-se a abandonar a zona: Naoto Matsumara, um agricultor, de 53 anos.


Não há eletricidade no local. Naoto utiliza placas solares para carregar a bateria de seu celular e seu notebook, para poder atualizar seu blog. O rosto de Naoto está queimado pelo sol e exibe rugas de um característico sorriso nipônico. Não é a cara que a gente espera de alguém que desafia o governo para viver em uma zona onde não é permitida a presença humana, mas Naoto é um inconformista por natureza:

- "Nasci e me criei neste lugar. Quando morrer, será em Tomioka". 


O problema é que este homem está sendo exposto a uma radiação 17 vezes mais elevada que o limite recomendado, e come carne, vegetais e pescado radioativos. Alguns pesquisadores da Agência de Exploraçãp Aeroespacial do Japão quiseram fazer alguns testes com ele:

- "Quando fui até lá para que me examinassem, disseram que era um campeão, isto é, que tinha o nível mais alto de radiação no Japão. Mas também disseram que não ficaria doente antes de 30 ou 40 anos. Provavelmente, esteja morto até lá, de modo que para mim tanto faz".


Os especialistas recomendaram que Naoto deixasse de comer alimentos produzidos localmente, motivo pelo qual agora bebe água de uma fonte controlada e come fornecimentos enviados de fora. Mas fora isso, sua vida diária permanece a mesma coisa e não parece ser afetada pelas ondas e partículas invisíveis daninhas que lhe rodeiam.

- "Acostumei-me à radiação. Afinal de contas, não posso vê-la. As pessoas que vem aqui de forma temporária também deixam de se preocupar por ela. É certo que se alguém vem aqui mais de um par de vezes deixa de se importar, ainda que as agulhas no contador Geiger nunca deixam de se mover", ri.

A dose de radiação por hora dentro da casa de Naoto, medida por um contador Geiger, é de dois microsieverts por hora e fora da casa o contador dispara a sete microsieverts, o que não é nada bom. Em relação a periculosidade para Naoto, o doutor Hiroyuki Koide, do Instituto de Pesquisa de Reatores da Universidade de Kyoto, disse que - "A lei japonesa estabelece que qualquer localização com uma dose maior que 0,6 microsieverts por hora, deve ser designada como uma zona de controle radioativa e fechada à população. Uma vez dentro de uma zona como essa, não se deve beber a água nem ingerir nada. Para mim, é inconcebível que uma pessoa normal possa viver aí", adverte. 


Claro que Naoto não é uma pessoa anormal. Quando desatou a tragédia, fugiu com seus pais para o sul durante o desastre nuclear, mas acabou lhes deixando em Iwaki para regressar a Tomioka. A razão para fazê-lo não tinha a ver com um sentimento de amor por seu lar ou uma rejeição à mudança de um homem de meia idade. A razão era bem mais simples: não podia abandonar os animais do sítio de sua familia:

- "Claro que tive medo a princípio, porque sabia que a radiação tinha se estendido por todos os lugares. Logo pensei que se ficasse ali muito tempo acabaria desenvolvendo câncer ou leucemia. Mas quanto mais tempo passava com os animais, mais percebia quão saudáveis estavam, e pensei que ficaríamos bem".

Agora ele cuida das vacas, dos porcos, dos gatos, dos cães, inclusive das avestruzes que não têm mais dono, enfim se tornou um guardião da bicharada local. Uma responsabilidade que, em parte, assumiu por acidente.

- "Nossos cães não comeram nos primeiros dias. Quando por fim dei alguma coisa para comer, os cães do vizinho ficaram loucos. Fui ver o que estava acontecendo e encontrei todos acorrentados. Suponho que todo mundo abandonou o povoado pensando que voltariam em uma semana". A partir daquele momento Naoto San passou a alimentá-los a cada dia e conta como faz em sua página pessoal.

- "Quando escutavam meu caminhão não podiam esperar e começava a latir como loucos. Sempre tinha algum latido lá fora, como dizendo, 'temos sede' ou 'não temos comida'. Então, comecei a fazer uma rota".


Muitos dos cães e gatos se tornaram selvagens. Escondem-se no mato e não mostram o focinho por nada, mas Naoto sabe onde vários deles estão escondidos, então basta que deixe a comida e vá embora que eles vem se alimentar.

O gado segue sendo doméstico e vive em arrozais abandonados rodeados por cercas construídas por ele mesmo com canos. Enquanto dezenas de vacas sobreviventes são só carne e osso, têm muita mais sorte que as centenas que morreram de fome em um estábulo próximo.


- "Todas morreram e apodreceram, deixando só ossos, couro e chifres. Havia muitíssimas moscas e vermes nos cadáveres. O povoado estava em um silêncio tão profundo que a única coisa que eu ouvia era o zumbido das moscas. A peste era tão horrível que se a gente ficasse ali por mais de cinco minutos, aquele cheiro horrível colava na roupa e na pele. Agora que são apenas ossos é mais fácil observar, mas naquele momento era asqueroso, digno de uma cena do inferno. Mais de 1.000 animais morreram em Tomioka".

A fome não foi o único motivo da morte dos animais. O governo também foi responsável por estas mortes. Após a evacuação, os agentes decidiram que era impossível cuidar de todo o gado da zona evacuada, não restando outra opção que a eutanásia em massa, antes que morressem de fome. Essa ordem foi dada em 12 de maio em 2011 e, logicamente, esta decisão deixou Naoto San muito irritado.


- "Se tivessem aproveitado a carne eu entenderia. A vida é assim. Mas, por que sacrificar deste modo e enterrá-los? Os animais e os humanos são iguais. Pergunto-me se também matam as pessoas desta maneira tão indiscreta. Porque ao invés de evacuar não mataram todo mundo então? Desde meu ponto de vista, seria melhor esperar para ver o que aconteceria, porque nos dariam bons dados experimentais para comparar com humanos. Se as aves sobrevivem, então, talvez não haja nada para se preocupar. Mas se os animais começassem a ter crias de gerações deformadas então seria o momento de tomar as rédeas do controle. Se isso acontecesse, ai sim seria quando não deveriam permitir que ninguém voltasse aqui".


Um cão que sobreviveu acorrentado dentro de um estábulo durante um ano e meio depois do desastre nuclear, comendo carne podre do gado que morreu de fome, foi resgatado por Naoto no verão de 2012. Estava praticamente sem nenhum pelo no corpo, mas agora está recuperado graças aos cuidados. Seu nome é Kiseki (milagre em português). Seu pelo voltou a crescer e parece um cão bem saudável como é possível ver no perfil de Naoto San no Facebook.


Em setembro do ano passado, o prefeito de Tomioka, Katsuya Endou, anunciou que seria impossível que os residentes pudessem voltar nos seguintes cinco anos, mencionando o tempo que levaria para descontaminar o povoado e reconstruir a infra-estrutura. Os quase 15.000 residentes ainda vivem em refúgios. Exceto Naoto e seus animais, que não pensam em ir a nenhuma outra parte.

3 comentários:

Blog da Pink disse...

Que história de dedicação e desapego! Os animais merecem a chance de viver, os humanos destroem o nosso planeta e abandonam quem mais os ama, ainda bem que existe esse homem maluco que deixa sua saúde de lado para cuidar dos bichinhos!
É uma ótima lição de vida!
Beijos
Laís

Milene disse...

Que coisa incrível, não conhecia essa história. Assisti um programa que mostrava um casal que se desloca até essas zonas e tenta resgatar o maior número possível de gatos, mas não tinha conhecimento de alguém morando em zona tão fortemente contaminada para cuidar dos animais.
Ótima postagem.
Beijos

Lívia Fernanda (I/O Gatos) disse...

É triste e bonito ao mesmo tempo! Toda vez que acontece uma tragédia, eu sempre penso nos animais que ficam. Os seres humanos são socorridos. Mas, e os animais? Fico sempre me colocando no lugar, acho que também não conseguiria partir sabendo que tantos estariam precisando de mim!

Adorei a postagem!

Beijinhos!

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